Tecer ideias, estabelecer conversações e partilhar saberes

quinta-feira, 8 de março de 2012

Memória do Guardador de Rebanhos


A oito de Março de 1914, numa noite frenética de inspiração, numa constelação de palavras e construção de universos, nascia uma das criações mais particulares de Fernando Pessoa, justamente Alberto Caeiro. Pessoa, o poeta e o homem que criou uma humanidade universal, deu-nos aqui uma forma muito original de ver o mundo e o universo. Há em Caeiro uma naturalidade que nos faz ficar cativados pela sua essência mais profunda.

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda.
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é por que saiba o que ela é,
Mas por que a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro, "II- O Meu Olhar", in Antologia Poética

Sem comentários:

Enviar um comentário