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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Memória de Virginia Woolf

"O sol ainda não nascera. Era quase impossível distinguir o céu e o mar, mas este apresentava algumas rugas, como se de um pedaço de tecido se tratasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente sem parar.

Quando se aproximavam da praia, as barras erguiam-se, empilhavam-se e quebravam-se, espalhando na areia um fino véu de água esbranquiçada. As ondas paravam e depois voltavam a erguer-se, suspirando como uma criatura adormecida, cuja respiração vai e vem sem que disso se aperceba. Gradualmente, a barra escura do horizonte acabou por clarear, tal como acontece como os sedimentos de uma velha garrafa de vinho que acabam por afundar e restituir à garrafa a sua cor verde.

Atrás dela, o céu clareou também, como se os sedimentos brancos que ali se encontravam tivessem afundado, ou se um braço de mulher oculto por detrás da linha do horizonte tivesse erguido um lampião e este espalhasse raios de várias cores (...). O mar foi, aos poucos, tornando-se transparente, e as ondas ali se deixavam ficar, murmurando e brilhando, até as faixas escuras quase desaparecerem."

(Lembrando na data do seu nascimento uma escritora muito especial, num livro fascinante sobre o Tempo, o Real, a dimensão da existência humana confrontada com a finitude das suas acções).

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