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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Autor do Mês da Biblioteca


"De alguma coisa me hão-de valer as cicatrizes de defensor incansável do amor, da verdade  e da liberdade, a tríade bendita que justifica a passagem de qualquer homem por este mundo?" (1)

É o autor do mês de Janeiro nas Bibliotecas do Agrupamento. Miguel Torga é um dos valores  mais elevados da cultura humanista que se afirmou em Portugal durante o século passado. Com Torga aprendemos o valor do ser, numa gramática onde a geografia e a alma das pessoas foram o ambiente das suas palavras. Torga aprendeu nos penhascos e fragas os tons da liberdade, com que lutou toda a sua vida, tendo ele próprio sido uma montanha em estado natural, em formas de dureza e de contemplação do que somos.

Miguel Torga é o pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, de um escritor que nos devolveu o valor da paisagem e do património como construção humana, como território onde se afirma a nossa natureza de limites finitos. Miguel foi uma homenagem em memória de dois valores elevados da cultura universal, justamente Cervantes e Unamuno. Torga, como memória de um espaço único, maravilhoso e bravio, Trás-os-Montes e as suas plantas que crescem entre as rochas.

Torga apresenta-nos nas suas diferenciadas páginas de poesia, prosa e teatro, o relevo e a pele vivos desse Reino, que ele chamou de Maravilhoso e que com espanto e coração nos deu entre as cores dos planaltos e das serras, a poesia do olhar das pessoas que por ali revestiram a paisagem de um modo de ser. Da sua vasta obra podemos destacar na poesia, na prosa e no teatro, títulos significativos como, Os Novos Contos da Montanha, A Criação do Mundo ou os seus Diários. A sua obra encontra-se traduzida em várias línguas, tendo sido premiada pela sua beleza e lucidez do seu canto.  

Miguel Torga representa na dimensão humana o carácter duro, mas solidário, frontal, mas apaixonado por uma consciência em que os valores permanecem pela liberdade e dignidade humanas. Há nas suas palavras um encanto silvestre e a originalidade de um espaço único, especial, o maravilhoso.

A sua obra, a sua figura são a morada de um tempo quase eterno, onde uma paisagem fez nascer a liberdade e a beleza. As palavras de Torga são a consagração da geografia sobre o tempo, quando neste País as suas palavras eram, à semelhança de outros pouca aproveitadas para transformar o real.

No país cinzento de Salazar um homem desta grandeza ficou encerrado no seu património criativo e na paisagem que o fez nascer.Quando tantas vezes procuramos compreender o atraso cultural e de cidadania que nos atinge é importante compreender esta sangria que demasiadas vezes o poder político tem feito na cultura. As palavras de Torga e o seu grito pela liberdade são uma inspiração e estão acima das limitações do tempo. O momento actual revela-nos como nos esquecemos do valor das pessoas e como dispensamos de qualquer acção política o valor do que é digno, do que é aceitável.

(1) Miguel Torga, Diário, Coimbra, 1993
Imagem, in ocatarrodaformiga.blogspot.com

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